O tema deste mês do blog é relacionado aos profissionais autônomos, assunto que foi exposto em nosso artigo de outubro. Trata-se da tributação incidente sobre os notários e registradores.
No texto, iremos abordar sobre a concessão que possibilita que esses profissionais prestarem seus serviços, tributos que incidem sobre suas atividades e formas de redução de sua carga tributária.
Quem são os notários?
Os notários, também conhecidos como tabeliães, são os profissionais que praticam atos de registro em serventias extrajudiciais conhecidas como cartórios.
Tais profissionais ingressam na sua função através de concurso público e seu poder é conferido por delegação do Estado, nos termos do art. 236 da Constituição e art. 3º da Lei nº 8.935/1994.
Esses tabeliães possuem uma particularidade: apesar dos cartórios possuírem um CNPJ, tais serventias não apresentam personalidade jurídica, logo não podem praticar atos por conta própria. Com isso, toda a atividade prestada pelos cartórios é exercida pelo tabelião, que foi quem efetivamente recebeu a concessão do Poder Público para prestar o serviço notarial e de registro, conforme entendimento já sedimentado por inúmeras decisões judiciais.
Tal informação é fundamental para entendermos a tributação que envolve os notários.
Quais são os tributos que incidem sobre as atividades dos notários?
Como os notários respondem por suas atividades como pessoa física, toda a tributação incidente sobre o serviço notarial e de registro prestado será sobre a pessoa física.
Com isso, podemos dizer que ele é equiparado a um profissional autônomo, que exerce suas funções como PF. Logo, a lista de encargos tributários sobre os seus serviços é a seguinte:
- Imposto de Renda (de Pessoas Físicas)
- Imposto sobre Serviços
- Contribuição Previdenciária
A seguir vamos tratar destes tributos de forma separada.
Imposto de Renda de Pessoas Físicas
Por toda a sua atividade ser de responsabilidade do notário como pessoa física, a tributação sobre a sua renda também será sobre a sua pessoa física, nos termos do art. 38, IV, do Decreto nº 9.580/2018, que regula o IR.
Pela remuneração das suas atividades ser de caráter não assalariado, o tabelião está obrigado a recolher mensalmente o IR através do Carnê-Leão, nos termos do art. 118 do Decreto nº 9.580/2018.
Além desta apuração anual, o notário deve apresentar a Declaração de Ajuste Anual do IR referente a cada ano-calendário.
Por estar obrigado a apresentar o Carnê-Leão, estes profissionais podem se utilizar do Livro Caixa para efetuar deduções mensalmente, tema que iremos abordar ainda neste artigo.
Imposto sobre Serviço (ISS)
O Imposto sobre Serviços gera um grande debate quando o assunto é a tributação de profissionais cartorários.
O ISSQN (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) é previsto na Constituição de 1988, mais precisamente no art. 156, inciso III. Nesse dispositivo, a Constituição garante a competência para que Municípios instituam o ISS sobre serviço de qualquer natureza.
No entanto, o Texto Constitucional afirma que há a necessidade de haver a regulação destes serviços através de Lei Complementar, que indicaria quais serviços serão tributados pelo ISS. A Lei Complementar nº 116/2003 veio justamente para regular essas atividades.
No item 21.01 da lista em anexo da LC 116/2003, há previsão específica sobre as atividades dos cartórios. O dispositivo em questão indica que incidirá o ISS sobre “Serviços de registros públicos, cartorários e notariais”.
Mesmo com esta previsão, houve discussão judicial. A tese proposta, levada ao STF pela ADIN 3089, sustentava que não deveria incidir o ISS sobre as atividades cartorárias por conta dos cartórios prestarem um serviço público e o referido imposto só deveria incidir sobre atividades privadas.
O STF entendeu que a instituição do ISS para atividades cartorárias era constitucional, afirmando que o serviço notarial, apesar de ser público, visa o lucro e sua remuneração configura a existência da capacidade contributiva, um dos princípios que baseiam toda a tributação em nosso país. Dessa forma, ficou reconhecida, de vez, a incidência do ISS sobre os serviços prestados por cartórios, desde que os municípios incorporassem tal cobrança em suas respectivas legislações locais.
Todavia, uma nova dúvida surgiu.
Desta vez, a arguição era sobre qual seria a base de cálculo do ISS. Alguns municípios adotaram a incidência do imposto pelo preço do serviço, enquanto outros adotaram a incidência do ISS sobre uma base fixa ou um valor fixo anual.
Inicialmente, a cobrança do ISS foi através da estipulação de um valor fixo, pois os serviços prestados pelos notários são de caráter pessoal, logo não objetiva o lucro. Tal previsão encontra respaldo no art. 9º, §1º, do Decreto-Lei nº 406/1968, que versa sobre o ISS nas atividades cartorárias e que, mesmo com o advento da LC 116/2003, não foi revogado.
No entanto, tal entendimento foi afastado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O Tribunal afirmou que a tributação pelo ISS neste caso não poderia ser feita na forma de trabalho pessoal e deveria ser cobrada pelo preço do serviço, uma vez que a atividade cartorária objetiva o lucro e se trata de uma atividade empresarial.
Tal questão foi levada ao STF, porém a Corte Suprema afirmou que não há repercussão geral sobre o tema. A repercussão geral, em termos simples, seria um assunto de extrema relevância para a sociedade e que deve ser analisado pelo plenário do STF para que uma decisão balize toda a questão. Neste mesmo momento, o STF reforçou o entendimento de que a base de cálculo deve ser o preço do serviço.
Boa parte da doutrina afirma que tal entendimento é equivocado, por entender que a prestação dos serviços cartorários é pessoal e peculiar, com base no que é expresso no art. 236 da Constituição e do art. 9º, §1º, do Decreto-Lei nº 406/1968.
Desta forma, segundo nosso ponto de vista, uma eventual ação judicial no sentido de questionar a base de cálculo do ISS sobre o valor do serviço seria cabível. No entanto, no decorrer de um eventual processo judicial seria difícil ver esta tese prosperar por conta do entendimento sedimentado dos Tribunais Superiores.
Há algumas outras características que merecem destaque acerca do ISS.
A primeira delas é sobre o repasse do tributo para o tomador do serviço. Em regra, os cartórios já adotam esta postura. Porém, caso haja lei específica do município determinando essa repasse, os cartórios são obrigados a repassar esse valor no preço final.
Outro ponto relevante é sobre a sucessão tributária envolvendo o ISS. Isso significa que em caso de uma troca entre o notário responsável por um determinado cartório, o antigo detentor da concessão é o responsável pessoal por dívidas envolvendo ISS.
Por fim, temos o problema da compensação recebida por cartórios na prática de atos gratuitos. Alguns documentos emitidos por cartórios, como a certidão de nascimento e a certidão de óbito, são gratuitos para todos os cidadãos, conforme a prevê a Constituição. Os Tribunais de Justiça de cada Estado devem estabelecer uma compensação para os cartórios que emitem tais documentos, conforme determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O que vem ocorrendo com frequência é que os municípios vêm incluindo esses valores recebidos a título de compensação na base de cálculo do ISS.
Entretanto, tal compensação possui caráter de recomposição patrimonial, ou seja, de indenização pela prestação de um serviço gratuito. Este entendimento advém do que está disposto no art. 28 da Lei nº 8.935/1994. Neste caso, se o valor da compensação for incluída na base de cálculo do ISS, é possível ingressar com ação judicial para corrigir tal medida.
Então, como resumo do ISS incidente sobre a atividade dos notários, temos:
- Há a incidência do ISS sobre suas atividades;
- Atualmente, a base de cálculo do imposto é o preço do serviço, embora essa cobrança seja questionável;
- O repasse do ISS no preço final é obrigatório caso haja lei municipal determinando tal medida;
- Não há sucessão tributária; e
- Os valores recebidos a título de compensação pela prática de atos gratuitos não devem entrar na base de cálculo do ISS. Caso isto esteja ocorrendo, é cabível uma discussão judicial.
Contribuição Previdenciária
Nos termos do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999), os notários são segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social (INSS) e devem contribuir com a Previdência Social como contribuintes individuais.
Dessa forma, os notários e registradores devem fazer a contribuição para o INSS de forma individual desde o recebimento da outorga para a realização de suas atividades. Há duas formas para tais profissionais realizarem estas contribuições:
- A primeira é o recolhimento de 20% sobre a remuneração bruta auferida em Livro Caixa, observados os valores mínimo (R$ 998,00) e máximo (R$ 5.839,45) do salário de contribuição.
- Também é possível optar pelo Plano Simplificado da Previdência Social, opção na qual o cálculo das contribuições é feito mediante a aplicação da alíquota de 11% sobre o salário mínimo vigente (em 2019, o valor do salário é de R$ 998,00)
Neste último caso, o notário/registrador renunciará ao direito à aposentadoria por tempo de serviço.
Deduções pelo Livro Caixa
Classificado como um trabalhador autônomo, ou seja, aquele que recebe remuneração pelos seus serviços de forma não assalariada, os notários e os registradores podem deduzir do Imposto de Renda determinadas despesas através do Livro Caixa.
Livro Caixa, para quem não conhece, é um livro contábil auxiliar e facultativo, destinado a registrar as receitas e despesas, permitindo um controle financeiro maior, que posteriormente pode ser utilizado na Declaração de IR.
Nos termos do art. 68 do Decreto nº 9.580/2018 (Regulamento do IR), os notários estão incluídos entre os profissionais que recebem rendimentos provenientes de trabalho não assalariado.
Com isso, os titulares de cartório podem deduzir a remuneração pagas a terceiros, desde que haja vínculo empregatício, os emolumentos pagos a terceiros e as despesas de custeio pagas que são necessárias à manutenção de sua atividade que gera receita.
Em linhas gerais e simples, funciona da seguinte forma:
- Remuneração pagas aos empregados podem ser deduzidas;
- Emolumentos pagos a terceiros;
- Despesas para a manutenção da fonte de sua receita: esse é o ponto mais subjetivo das despesas dedutíveis. Aqui há uma gama de despesas que podem ser enquadradas como necessárias para manter sua atividade produtiva, como conta de luz, água, pagamento de ISS e gastos com contabilidade e assessoria jurídica, para citar alguns exemplos. O filtro que deve ser utilizado aqui é se a despesa é essencial para o funcionamento do cartório.
Também temos as despesas que não podem ser deduzidas. Algumas delas são:
- As aquisições de equipamentos para o estabelecimento, móveis, aquisição de computador;
- Quotas de depreciação de instalações;
- Despesas com arrendamento;
- Despesas de locomoção e transporte, estacionamento, manutenção de veículo, seguro e pagamento do IPVA;
Há ainda uma observação a ser feita, que é sobre os repasses realizados pelos cartórios para órgãos públicos e Estados.
Esses repasses, que possuem previsão legal em cada Estado, são utilizados para custear segurança, saúde, educação, assistência a fundos de alcance social, entre outras.
Na visão da equipe do IR Descomplicado, esses repasses poderiam ser incluídos no rol de despesas dedutíveis, pois entendemos que se tratam de despesas necessárias para a manutenção da fonte de sua receita. Isso porque o repasse é necessário para que a concessão do cartório seja mantida, de forma que o seu não pagamento ensejaria a revogação da delegação estatal.
Entretanto, não há um posicionamento oficial da RFB sobre a inclusão desses repasses como despesas dedutíveis no Livro Caixa.
Com isso, recomendamos que seja feita uma consulta à Receita no caso concreto para se certificar de que não haverá uma futura desconsideração desses valores como despesas dedutíveis.
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Créditos: as fotos utilizadas neste artigo são do Pixabay.com.
12 comentários
Dulcineia Soares · julho 14, 2020 às 2:43 pm
Obrigada pelo artigo, muito esclarecedor.
Poderiam me responder uma dúvida sobre dedução do livro caixa do profissional liberal (exemplo dentista), a qual exponho:
Com base na pergunta 413 do Perguntas de Respostas IRPF/2.020 da Receita Federal, um profissional liberal (dentista) poderá deduzir no seu livro caixa os pagamentos efetuados a terceiros sem vínculo empregatício, sendo estes terceiros outros dentistas profissionais liberais? Se Sim. Estas despesas caracterizam despesa de custeio necessária à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora?
irdescomplicado · julho 28, 2020 às 7:52 pm
Olá Dulcineia, tudo bem?
Essas despesas caracterizam sim despesa de custeio.
Mas é preciso observar a frequência com que isso ocorre, porque se esses outros dentistas prestarem serviços com frequência, a atuação do primeiro dentista deixa de ser considerada como de pessoa física, e passa a ser considerada como de pessoa física equiparada a pessoa jurídica, e ele vai ter que seguir todas as regras tributárias de uma PJ.
JULIANA · outubro 28, 2020 às 4:21 pm
Boa tarde, posso deduzir do livro caixa do tabelião o valor pago de contribuição previdenciária individual?
irdescomplicado · novembro 7, 2020 às 1:50 am
Olá Juliana, tudo bem?
Sim, a contribuição para previdência oficial é uma das despesas dedutíveis no Carnê Leão do Tabelião.
Abraços!
Monica · julho 7, 2022 às 8:20 am
IRDESCOMPLICADO quanto ao registro da previdência e carnê leão do interino no livro diário auxiliar de receita e despesa……é necessário?
irdescomplicado · abril 8, 2023 às 9:54 am
Você não é obrigada a incluir essas despesas, mas você perde a possibilidade de deduzir essas despesas no cálculo mensal e no cálculo anual do IR.
Mário Júnior · fevereiro 16, 2021 às 2:06 am
Boa noite estou com dúvida sobre o livro caixa Web 2021 para notário do cartório.
Quando você abre no ecac, ele faz uma pergunta
Se é autônomo sim ou não
Notário do cartório, eu coloco não ?
irdescomplicado · fevereiro 21, 2021 às 4:58 pm
Oi Mário, tudo bem?
Se você colocar SIM, vai liberar o preenchimento das deduções do livro caixa 😉
Aline Carvalho · março 16, 2021 às 7:56 pm
Taxa de Fiscalização judiciária é despesa dedutível?
irdescomplicado · março 23, 2021 às 12:32 am
Aline, de for uma despesa obrigatória e cujo pagamento impede o funcionamento do seu cartório, é despesa dedutível sim!
André · abril 6, 2023 às 8:29 pm
Ótimo texto!
Uma dúvida: A aplicação da alíquota de 20%, como contribuinte individual, é sobre o valor total de emolumentos percebidos no mês ou sobre o valor que resultar após a dedução das despesas?
Obrigado!
irdescomplicado · abril 8, 2023 às 9:41 am
A contribuição de 20% do INSS é em cima do salário de contribuição, não considera as despesas não.